‘É hora de entender que o bullying está levando à morte’

Por trás do ato do estudante de 14 anos que, vítima de bullying, foi à escola e abriu fogo contra colegas em Goiânia, há uma teia de problemas que, com a escola no centro, envolve as famílias, as instituições, a espetacularização da violência e também a recorrência de visões radicais na sociedade.

Essa é avaliação do psicólogo Sergio Kodato, 63, coordenador do Observatório de Violência e Práticas Exemplares ligado à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto – onde leciona.

“A discussão radical é de uma eliminação do opositor, para, na verdade, não lidar com o conflito”, diz. Para ele, os conflitos vão sempre aparecer na escola, mas precisam ser resolvidos. Confira na entrevista concedida à Folhapress.

Pelas informações de colegas, o adolescente que efetuou os disparos sofria bullying, um termo que recentemente ganhou presença no debate, sendo muitas vezes até banalizado. Como é possível relacionar essa discussão com um caso dessa gravidade?

Houve um período que foi quase moda falar em bullying. Depois, parece que foi se esquecendo, mas o bullying acabou se integrando à cultura dos jovens. Tornou-se uma forma dos adolescentes descarregarem sua agressividade elegendo um, dois ou um grupo de bodes expiatórios. Que são intensamente gozados e vitimizados. E isso vai calhar com características psicológicas dessas vítimas. É como se houvesse indivíduos que têm vocação para ser bode expiatório, geralmente aqueles chamados de nerds, mais calados, com alguma deficiência.

Mas como isso se caracteriza até que chegue a uma violência mais extrema como essa?

É uma coisa contínua, sistemática, e o jovem vai remoendo. Nesse caso especifico, chama a atenção que o modus operandi é muito parecido com o de serial killers americanos. E episódios como esse são espetacularizados pela mídia. Então, para esse indivíduo, serve como método. Desde o episódio de Columbine, serial killers são vítimas de bullying que sofrem calados e vão se transformando em uma bomba ambulante. Vão alimentando desejos de vingança. E, como ocorre em outros casos, a espetacularização tem um efeito mimético.

Mas por que a recorrência de casos dentro de escolas?

A escola é um lugar da negociação, é essencialmente onde os conflitos vão aparecer. Nossa luta é que professores e toda equipe se preocupem com medidas de resolução, de modo negociado. Isso não é feito. Isso passa pelos pais, que muitas vezes vão para brigar nas escolas.

Isso afeta todas as escolas de maneira igual?

Existem escolas mais abertas e escolas intolerantes, o que tem a ver com a gestão. Se uma gestão promove a diversidade, a negociação, não deixa acontecer. Se a direção é mais travada, os alunos não enxergam um canal de diálogo. Porque os conflitos precisam ser resolvidos de alguma forma. A escola tem que se preocupar com aqueles que parecem mal humorados, preocupados, porque são os que potencialmente geram situações de conflitos.

E esse jovens acabam se sentindo sozinhos…

Quando você está sozinho, acuado, vai recorrer a essa saída violenta. Porque a representação que tem é que todo mundo está contra você. Acaba gerando uma situação que chamamos de “ideação suicida”, e o jovem começa a pensar em matar. “Todo mundo está contra mim, meu pai não sabe o que fazer”. E como a mídia já deu um modelo…

Existe uma faixa etária em que a preocupação com esse comportamento tem de ser maior?

Sim, é a adolescência, onde tem o desenvolvimento moral. Que é quando, segundo [o psicólogo Jean] Piaget, o julgamento moral ainda está se formando. Há um processo de desenvolvimento da anomia, depois passa pela heteronomia, onde se radicaliza. [Nesse momento], tenho que entender que o certo é certo, o errado é errado. Depois é que vem a autonomia, quando vai se discutir, fazer o meio termo. A escola não propicia essa passagem, a família não desenvolve isso. As instituições no Brasil ainda estão na heteronomia, por isso tem esse radicalismo, um fanatismo. Este é um momento em que a questão moral precisa ser balanceada na escola. Mas tem ainda a questão da impotência e rejeição, seja da família ou dos professores.

Em que medida a violência na sociedade, e o aprofundamento de visões radicais, tem relação com conflitos dentro do ambiente escolar?

Geralmente, a discussão radical é de uma eliminação do opositor, para, na verdade, não lidar com o conflito. Precisamos problematizar o preconceito, por exemplo, mas o que se vê é é o acirramento do conflito, do racismo, homofobia, na política.

Como essa escola pode superar um trauma como esse?

Sabe-se que diante de uma situação traumática, tende-se a esquecer e negar. O problema é que a situação traumática volta na sua consciência. Aquele cadáver está ali. A escola tem discutir a segurança do ponto de vista escolar e comunitário, as razões. A catástrofe e a tragédia, para ser superada, precisa ser expressada. Por isso os artistas representam as catástrofes, é uma forma de elaboração. Se essa escola quiser continuar, vai entrar num período de luto, chorar as perdas, mas tem de pensar nas lições.

E em outras escolas, é hora de falar sobre o assunto é melhor adiar uma abordagem?

É o momento de se preocupar e ver que o bullying está levando ao óbito. Todas as escolas deveriam se preocupar com mecanismos de mediação. Ter urnas, canal de denúncias, para que quem sofre ter a quem recorrer. Os conflitos devem ser resolvidos na sala, porque está se formando cidadania. E precisamos ensinar como encarar os conflitos de forma civilizada.

Por PAULO SALDAÑA, da Folhapress.

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